sexta-feira, 30 de março de 2012

Quando a cidade escurecer




30 de Março 2012



Quando a cidade escurecer


Quando a cidade escurecer não estarei aqui Porque será que tudo está petrificado e eu sozinho no meio de toda esta gente no meio da cidade estátua no meio dos que ficaram dentro das viaturas É uma solidão sem paralelo e a sensação é insustentável As pessoas anónimas que fazem parte da vida da cidade assustam nesta inércia forçada O peito ficou obstruído Um forte aperto no peito impede o ar de circular Grito e não sai nenhum som nenhum sinal Perdi de vez a ligação com a cidade que também não fala e não se mexe Tentou acabar com a minha irritação e com a minha mágoa assustando-me Estou sozinho no meu destes milhões numa solidão claustrofóbica doentia e sufocante Uma solidão igual à que sofre a cidade Deixou de fazer sentido continuar o passeio Tenho como companhia esta voz com rosto de menino numa cara suja de olhos brilhantes vivos inteligentes com um sorriso inocente doce e cativante É ele que me descreve as avenidas paradas completamente preenchidas por centenas de milhares de viaturas imobilizadas onde parou tudo o que vive O vento está petrificado como a brisa e todos os ruídos Só eu permaneço igual na cidade estátua Volto a ligar à Rute uma última vez volto a ligar ao Arnaldo e ao Carlos Alberto e reponde-me o silêncio Devem estar tão quietos como todos os que se encontram aqui Vivos mas estáticos E será que observam será que escutam este silêncio será que sentem este estranho odor a quietude a marasmo e a inércia forçada Um silêncio gigantesco tomou conta da paisagem e enche-me de vontade de gritar Mas que grande merda esta Quem se lembrou de virar a cidade contra mim Foste tu ó cidade maldita que não gostaste do que disse de ti É assim que procedes com quem te critica Vai para o raio que te parta espécie de inferno habitado Tu não me derrotarás Estou meio louco Já estava meio louco A loucura espreitava de qualquer forma por detrás de cada esquina por onde eu passava por isso podes ir para o raio que te parta ò cidade merdosa Cidade megalómana e exacerbada com requintes de imperatriz Quem serias tu se nós homens não te criássemos Quem serias tu sem os homens que te reconstroem sem os que fazem de ti tudo aquilo que tu és e que não és Vingas-te em mim apenas em mim Porquê Continuas muda silenciosa apesar de gritares de descontentamento através desta fossilização generalizada que acabaste de produzir Deixa-me em paz cidade funesta deixa-me em paz com a minha solidão Volta àquilo que é normal e faz com que todos regressem aos movimentos e vivam e se deixem angustiar nas filas intermináveis e no caos das tuas entranhas Volta àquilo que é normal e deixa que todos regressem às rotinas diárias cinzentas com que te refrescas Deixa-os viver ou morrer ou lá o que fazem dia após dia após dia É uma bela porcaria este sistema que me faz sofrer Oferece de novo movimento a quem o retiraste Volta a girar o mecanismo volta a dar corda ao sistema para que possas voltar a consumir a vida de todos num instante Fomos nós homens que te criámos como uma prisão e tu não aprecias aquilo em que te transformaste Serás ainda pior com o passar dos anos Ficarás mais caótica mais inútil inerte suja escura e dantesca Serás um gigantesco e inútil animal anónimo Vai mas é para o raio que te parta



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